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    Hong Kong: acabou o espaço do passaporte

    27 de Setembro de 2017

    Na semana seguinte à graduação em Jornalismo, passei a trabalhar no plantão da madrugada da Zero Hora. Meu horário era das 2h às 8h, em agosto, no inverno. O carro da empresa passava me buscar à 1h30min e eu lembro de sair pela cidade toda apagada, em silêncio, e entrar em uma redação escura. Bar fechado, apenas a luz da mesa central e a da telefonista acesa. Minha rotina era do avesso. Chegava muito elétrica em casa para conseguir dormir logo ao fim do expediente, então pegava no sono por volta das 11h, acordava às 16h: as refeições completamente erradas e a vida social acabada.

    Passados os primeiros 15 dias, lembro de um almoço de domingo com a minha tia Rosane, enfermeira, acostumada a plantões de uma vida – e bem mais sofridos dos que os meus, diga-se. Eu estava sentada no degrau que liga a cozinha à sala e ela escorada no balcão, cortando as batatas para a salada de maionese. Não lembro ao certo do que eu reclamava, mas ela parou, assim, com o calcanhar apoiado no tornozelo, faca suspensa no ar, e sobriamente me disse: "Você tem duas opções: passar por essa fase sofrendo ou não. A escolha é sua".

    Deu na mente. A partir dali, o jogo virou. Firmei uma amizade boa com a Natália, minha parceria de jornada, descobri que eu poderia ir trabalhar de moletom e calça de abrigo que ninguém repararia, garantia o rancho de chocolates e Red Bull na loja de conveniência da frente, colocava Foo Fighters no máximo volume e, inclusive, tive um romance importante nesta época. Um cara que me buscava cedinho com flores e me levava para tomar café da manhã em um rooftop da cidade. No último dia de plantão, antes de rumar de mala e cuia para a RBS TV, lembro de ter um nó na garganta ao me despedir da Nati e olhar pela última vez aquela redação vazia. Pensei: fui feliz aqui. Fiz a escolha certa.

    Talvez, a minha tia nem lembre que tenha me dito isso um dia com a batata quente na mão. Só que o lema me acompanha sempre. E faço questão de repassá-lo. Hong Kong até estava nos planos, mas como uma parada no meio da minha imersão na China. No entanto, o Cláudio, brasileiro que conheci no Laos, disse que para garantir o visto sem problemas para o país, seria bom encaminhá-lo em Hong Kong – que é China, mas não é. Explico: trata-se de um país com dois governos. Em 1997, a Inglaterra devolveu o território para a China desde que o país pudesse se manter independente. Com isso, brasileiros não precisam de visto para HK. Entendeu? Meio complicado, mas segue o baile.

    Decidi que cinco dias, estourando, eram mais do que o suficiente para encaminhar a documentação, aguardar o resultado e rumar para Myanmar, meu próximo destino. Ao chegar à agência cedinho, recebo a resposta: "Não vou poder ajudar. Não há mais espaço no teu passaporte". Eu digo: "Oi? Como assim?". Ela me entrega o documento para eu confirmar. Enquanto folheio aquele tantão de carimbos e vistos espalhados, meio que rio de nervosa: "Mas e agora? Não tem como tirar um que já não preciso?". (Sim, falei isso a sério). Ela ficou com aquele olhar de "Tu é idiota ou o quê?", porque se tem algo que os moradores de Hong Kong não são é simpáticos, e respondeu: "Tens que pedir um novo na embaixada". Ok, pensei. "Quanto tempo isso leva?". "Ah, uma semana". UMA SEMANA? Contando que era sábado e eu só poderia encaminhar tudo na segunda-feira, mais o tempo para os documentos chegarem e o visto para a China se aprontar, seriam 15 dias, no mínimo, em Hong Kong.

    Não me considero uma pessimista. Sempre acho que vai dar certo no final – o que até me prejudica às vezes. Mas sou imediatista. Não tenho paciência, quero resolver logo e se não estou a fim, procure me entender. Ficar em um lugar em que não estou disposta é uma das minhas maiores dificuldades. Disfarço zero e a incomodação fica evidente. Desconcentro, coração acelera, ansiedade, tipo pânico. Costumo sumir sem nem dar pista. Só que, neste caso, eu estava presa. Nada de Myanmar, nada de Nepal, nada de Malásia. Roteiro cortado e eu obrigada a estacionar em uma cidade que mal apontava nos objetivos. E aí, após um final de semana dormindo e tentando achar válvulas de escape, a voz da minha tia chegou à consciência.

    Já estou há sete dias em Hong Kong – o que significa a metade do tempo. Me mudei do hotel meia-boca em Chinatown para um apartamento charmoso e bem localizado, lavei minhas roupas com muito amaciante, fui ao supermercado e preparo meus jantares e cafés da manhã, estou em uma maratona de séries atrasadas no Netflix e vou à academia todos os dias. A cidade? Aprendi a amar. De verdade. Entrou para aquela minha lista de favoritas no mundo. É uma Nova York mais comportada. Bons restaurantes, lojas interessantes, feirinhas de flores e frutas, parques bem cuidados e metrô funcional. As pessoas? Deixa pra lá, outra hora entramos no assunto. Mas veja só que maluquice: estou matando todas as saudades de uma vida regrada e normal, com casa, comida e roupa lavada. Era um break necessário e que me fez um bem danado. Uma espécie de "férias forçadas" da Volta ao Mundo após à barra sentimental que enfrentei no Vietnã.

    Sei lá se vocês acreditam em destino, acaso, ou o que for. Minha amiga Beta acredita. Quando estava naquele final de semana chateada ela me disse: fique atenta aos sinais, algo deve aparecer aí nesta virada. Era isso. Uma parada em um lugar que não me obrigasse à maratona turísticas e perrengues em looping. Um tempo para virar a câmera fotográfica para mim. Aquela saída debaixo d'água para pegar fôlego. O passaporte chega em dois dias e quando indicar a hora de seguir adiante vou olhar para trás, com aquele nó na garganta e pensar: fiz a escolha certa.

    O que fazer quando o passaporte não tem mais folhas ou espaço para vistos:

    • Se você estiver em trânsito, vá à embaixada ou consulado do Brasil do país em que se encontra para encaminhar um novo passaporte. Mesmo que o "lotado" ainda esteja no prazo de validade, não há outra opção: tem que cancelá-lo e pedir um novo.
    •  Documentação necessária: certidão de nascimento ou casamento autenticada, RG ou CNH originais, passaporte, foto 5x7, título de eleitor e comprovante de situação regular no TSE (ou seja, que você votou, justificou ou já pagou a multa por não votar na última eleição).
    • Um novo passaporte será emitido, com um novo número e o outro será anulado, mas se você tiver vistos ainda válidos no antigo, terá que andar com os dois.

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