Siga o IDA e VOLTA no Instagram: @idaevoltaoficial

    Vietnã: despedida, separação e saudade

    19 de Setembro de 2017

    Dia desses escrevi que havia aprendido a lidar com despedidas. São uma chance de reafirmar o amor. Abraçar com vontade, olhar na alma, repetir que vai sentir falta. A despedida é um ato completo. Significa que a história teve início, meio e fim. Com sorte, diz até breve. Não é o mesmo com separações. A separação é brusca. Corta um capítulo pela metade. Essa aí eu ainda não compreendi como manejar. Percebi isto no Vietnã. Porque vivi uma história intensa no Laos.

    A Carol (de novo a Carol do Mount Agung) me avisou: "Quando visitar Kuang Si Falls, em Luang Prabang, não faça a trilha que é furada". Mas o que a Fernanda fez? Ah, já que tô aqui, vamos para a trilha. Era furada. Lama sem fim para ver praticamente nada. Mas, quando estava no meio do caminho, tentado não afundar os chinelos no barro, conheci o Cláudio. Brasileiro de Manaus, o Cláudio é daquelas pessoas casa cheia, prontas para amizades.

    Acabei embarcando na carona da moto dele e seguimos viagem juntos. Naquela mesma noite, dividimos a mesa no Night Market com Kasha, Moon e Robin, da Polônia, Coréia e Alemanha, respectivamente, e mais além, no bar, fechamos o grupo com Alejandro, da Colômbia, e Fanny, do Caribe. E repito aqui que é impressionante como as pessoas podem mudar o rumo dos fatos. A minha passagem pelo Laos foi transformada pela presença desse grupo. Partimos juntos para Vang Vieng e dividimos todas as descobertas, perrengues, contas e sorrisos. Fui feliz.

    Lembrei como é importante ter um grupo de amigos por perto. Compartilhar mesmo que em silêncio. Engraçado, no entanto, o fato de que éramos todos viajantes solo. Mas fomos melhores juntos.

    Reflexos, eu diria. Espelhos de objetivos semelhantes, apesar de tantas diferenças superficiais. Só que tivemos que nos separar. Cada um seguiu para um lado. "Espero que não seja a última vez", disse o Robin quando nos abraçamos ao dizer adeus. Mas bem lá no fundo a gente sabia que as chances de um reencontro seriam remotas. Isso é separação. É um corte na relação. E foi com essa sensação que desembarquei na minha jornada de 18 dias pelo Vietnã. Sozinha. De novo.

    Foi, de longe, o período mais difícil desta Volta ao Mundo. O monstro da solidão me prendeu em cativeiro na cela da saudade. Esta cela é tipo o barril do Chaves. O Chaves mesmo, da Chiquinha e tal. É um lugar em que tu te afunda de cócoras, meio que em posição fetal. Não tem janela, a luz não entra, e fica tudo enuviado, não se absorve nada lá de fora, escuta-se só burburinhos ao longe e o novo não passa.

    No barril, a gente vê, mas não enxerga; escuta, mas não ouve; pensa, mas não sente. E a gente hiberna ali, sem espaço para se mover e esparramar bem os braços e pernas e envolver tudo de interessante que tem ao redor. Justo no Vietnã, que há tanta boniteza, tanta história, tanto de tanto. E eu algemada. Precisei de muito, muito foco para ir me desatando aos poucos e entender que viver de saudade é estar no abstrato. Droga da ilusão, da lembrança, do que está fora do alcance. Só que tem dias que entrar neste lugar é inevitável, vocês sabem.

    Montanhas, baías, caiaque, moto, ônibus, terra, arrozais, templos, pontes, cidades grandes, praias, passei por tudo isso refletindo. Período intenso de cabeça a mil. Coincidentemente (?) em um país que não teve tempo para despedidas e viveu separações brutais em uma guerra de duas décadas. Mas o Vietnã não sente saudades. Nem tem tempo. Só falta vestir a placa: "Desculpe o transtorno, estamos reconstruindo um país". Olha lá para frente. Diferente de países como a Alemanha, por exemplo, pouco se fala do que passou. Ou menos do que eu imaginava. Apesar das consequências implícitas da luta, os vietnamitas preferem viver as belezas do país: a natureza, a culinária, a paisagem, a arte. Eles não se valem do passado. E quem deveria?

    Quanto a mim, sigo matutando a respeito das separações, que são sinônimo de que algo deu errado. É o que se passa com casais, sociedades, grupos, bandas. Nos meus términos de relacionamentos o que me levava a sofrer era saber que de uma hora para outra deveria parar de falar ou ver alguém que, diariamente, recebia meus bons dias e boas noites. História sem fim. Só posso concluir que separações são inevitáveis, mas podem ser amaciadas com despedidas – que, aliás, podem ter um processo bem mais longo do que um beijo e abraço. E peço: não se separe de mim. Não estou preparada. Pelo menos, sem se despedir antes.

    Siga a @fepandolfi no Instagram