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    Tanzânia: tão igual, mas tão diferente

    04 de Agosto de 2017

    Desci reto. Direto da Noruega, em segundo no ranking dos países mais ricos do mundo, para o continente africano. Bem que o ataque cibernético ao aeroporto de Oslo tentou me frear: adiou minha ida em um dia. Mas quando uma meta é traçada, a gente bate o pé e segue em frente. Fiz uma parada breve no Quênia para pegar fôlego e pousei na Tanzânia. Elias, o guia, reclamou para mim: "Temos os melhores safáris, mas o nosso governo não divulga o suficiente". Ele estava certo, o turismo aparece em terceiro lugar como fonte de renda local – enquanto na África do Sul, por exemplo, é o primeiro item.

    Não quero ser simplista, mas acredito que o motivo seja a fuga da pobreza por parte dos turistas. Na Tanzânia, 70% da população é considerada pobre - de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Mundial, significa verba menor do que US$ 1 por dia. Ainda no banheiro do aeroporto de Arusha, logo na chegada, uma mulher me abordou pedindo dinheiro. Fiquei incomodada, admito. No auge do meu egoísmo, não por ela, mas por mim. Sejamos francos, quem quer ser importunado no suposto momento de lazer? Tipo novela da Globo.

    Lembro de uma amiga, que mal tinha dinheiro para bancar o aluguel no final do mês, mas brincava que não tinha saco para estes enredos com favelas e subúrbios, queria mesmo era ver gente grifada e mansões. O motivo lhe parecia óbvio: de sofrida já basta a própria vida. Tem também quem diga que não gosta de filme brasileiro, afinal, só mostra o lado ruim do país. Bora para a ficção de Hollywood.

    Do conto de fadas de Frozen para Diamantes de Sangue. Passei 10 dias imersa na Tanzânia, o plano era seguir um roteiro de safáris pelos principais parques e reservas nacionais. Só que um ponto é distante do outro, então, pegávamos a estrada em um 4x4 e, enquanto não estacionávamos em um dos lodges, assistíamos ao país. O intervalo do filme era animado encantadoramente por leões, zebras, girafas e elefantes. Agora vou dar a sinopse da trama. Pelos lugares que passamos, asfalto é raridade, saneamento básico também. Logo de saída, já nos alertavam a nunca tomar água da torneira e até a escovar os dentes com água engarrafada por conta do risco de contaminação. As casas são miseráveis, a sensação é a de que são construídas com qualquer que seja o material disponível e, por sorte, o inverno não costuma ser rigoroso, pois parecem passíveis de serem derrubadas com aquele sopro do Lobo. Do que pude ver, crianças trabalhavam na mesma medida que os adultos. Principalmente na função de guiar o gado pela estrada, uma atividade típica das tribos massais.

    Só que captei um ponto de exceção aí. Diferente de lugares em que percebi um povo deprimido em sua pobreza, ao exemplo da Malásia e de Maurício, a Tanzânia consegue ser leve. Quem dá conta deste recado são as pessoas. O sorriso é parte da feição, os pés descalços refletem o costume com o desapego e as músicas e danças são passaporte para a alegria. E as cores? Enchem as ruas de vida e desafiam a poeira. São vibrantes e constantes. Nos turbantes, nos acessórios, nos vestidos, nas batas, nas maquiagens, nas frutas, em qualquer balde de tinta que sobre para pintar uma parede ou porta.

    Enfeitam o cenário com extravagância. Os tanzanianos aparentam uma conformidade – e não é negativa – com sua condição social. Viram-se bem com o que o destino proporcionou e poderia apostar que são felizes do jeito que estão. Sabe aquela história de que "do chão não passa"? Não estou na pele deles para ousar afirmar ou julgar falta ou presença de sofrimento, mas se tamanha serenidade é interpretação, merecem a estátua de ouro.

    Ao que tudo indica, não estão decepcionados com o pouco que têm. Vivem bem em uma casa de apenas um cômodo porque não sabem o que é ter a própria cama, o que dirá em um ambiente separado, por exemplo. É admirável. Se eles mereciam mais? Óbvio. Mas de torto que este mundo é, não dá. Talvez não nesta encarnação. E não diagnostico como falta de ambição, mas como coerência. Nestas andanças por aeroportos, sentei ao lado de um filósofo norte-americano que me relatou a situação do seu filho mais novo, um cientista que, aos 30 anos, encontrava-se no auge da carreira e ganhando muito. Lá pelas tantas, o homem, cujo nome não sei, largou que o rapaz estava recebendo até demais. Usou o "too much", expressão que significa algo em exagero, desnecessário. Achei curioso que alguém consiga se dar conta de que o dinheiro da própria família é desproporcional. Fiquei impressionada com a capacidade de discernimento que não parece compatível com a classe média/alta atual, quando o desdobramento do verbo "ter" é infindável. E não diagnostico como ambição, mas como ganância.

    No meu trajeto da Volta ao Mundo, costumo aprender palavras básicas nos idiomas locais. Como a passagem pelos países é rápida, fica complicado decorar. Acabo colocando as expressões na caixa de amenidades do cérebro. Mas não esqueci "jambo" e "karibu", respectivamente "oi" e "bem-vindo" em swahili, língua local, já que não havia economia nas recepções e desejos de uma boa jornada. Além da cordialidade do povo, posso confirmar que a Tanzânia tem, sim, os safáris mais incríveis deste mundo. Para chegar lá, para conseguir abrir a alma para bater de frente com a natureza na sua forma mais pura e verdadeira, para viver a experiência na integridade, tem que ter preparo emocional para compreender que existem enormes diferenças sociais e esbarrar com essa disparidade sem preconceitos ou meios sentimentos. Tem que estar inteiro. Caso contrário, há sempre a chance de brincar de África ao sul do continente.

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