27 de Setembro de 2019
Passado e futuro tiveram um encontro — não marcado — em Petra. Juro. Eu assisti, eu ouvi, presenciei com estes sentidos que desenvolvi na estrada para captar a história além do turístico. Foi depois de um dia longo no deserto, a uma semana do meu casamento, e em um momento intenso de emoções embaralhadas por conta dos ventos que mudam e, desta, que parece ser a minha despedida da solidão. Eu estava de braços cruzados, mirando a barra da calça suja e a ponta do tênis cheia daquela areia fininha, que mais parece pó e que dá o tom da Jordânia, pensando no meu cabelo que pingava por conta da pressa do banho de quem corre contra o tempo. E, com aquele feeling humanamente selvagem que temos para perceber que estamos sendo observados, levantei a cabeça e deixei o queixo cair ao ver ele ali: o passado. De braços abertos e um sorriso bem leve, daqueles de alma. Vamos batizá-lo de Arthur.
Permita-me abrir melhor a metáfora: o Arthur é o caçula de um amigo próximo de infância. Esteve sempre por ali, na sua quietude quase sóbria, de pouco sorriso e muita presença. Mas nem é tão por aí que ele representa o passado. É por que, na minha última parada da volta ao mundo, em Fiji, ele entrou em contato. Chamou por ajuda. Queria colocar em prática o que eu vinha executando, e coragem ele tinha. Em resumo, assim como peguei o bastão da volta ao mundo do Ron, o amigo que me apontou o caminho da estrada, entreguei-o para o Arthur. Desde lá, esse guri de 30 anos — mesma idade com que me aventurei — vem desbravando continentes e acumulando bagagem de pouco peso. Já se foram dois anos. Ele dobrou a meta, como diria o outro, e eu quis retornar para aquele lugar.
Ele me lembrou de como era viver em um diário sem rotina, com muito dia e pouca noite. Estar no agora. Comer o que vem. Dormir onde tem. Conhecer quem cruza. Andar sozinho sem estar só e morar em um monólogo mental. Eu perguntei a ele todos os clichês que já me exauriram: do que mais sente falta? Da comida? Da família? Por quantos lugares esteve? E qual foi o pior perrengue? Me surpreendi com a falta de respostas e esclareci que, quando estamos do lado de lá, não precisamos responder aos outros (quiçá, a nós).
Vamos vivendo. Responder é nostalgia, e quando se sai sem dia certo para voltar, não se trabalha com lembranças, só com o mapa do caminho. Se te dessem uma passagem para voar para qualquer lugar no mundo, Passado, para onde você iria? Ele tomou um gole de cerveja, olhou fundo e disse: seguiria na minha rota.
Esse texto poderia ser finalizado aqui. Poderia. Isto, se eu não fosse o futuro do passado. O passado também tinha muitas dúvidas, oras. Afinal, não é todo o dia que você tem a oportunidade de trocar essa ideia com o próprio futuro. Como é voltar? De uma jornada destas, não é voltar, Arthur, é chegar. É cumprir o destino. Em algum momento por estas andanças, você resgatou a sua versão mais verdadeira para chegar de onde partiu. Esqueça todas as falácias de incluir atividades da viagem na sua rotina na normalidade. Vou te decepcionar ao contar que retornamos para nos disfarçar do que éramos. Mas é bom. É saudável. Ir ainda é mais interessante quando voltar faz sentido. O futuro é o tempo incontrolável, então, se possível, ao menos por este momento, deixe-o desacordado, ressonando, sem alimentá-lo com expectativas.
Antes de nos despedirmos, o passado me perguntou: e o casamento? Daqui uma semana, eu disse. É uma nova etapa que se inicia e quando eu estava do seu lado da conversa nem poderia calcular que chegaria. Lembra quando decretei que o amor não era para mim? Planejar é um erro. Vivo, agora, uma fase leve, em paz, de construção e amor. Sabe, Arthur, é impossível não perder horas imaginando que passo a gente vai dar após cruzar a linha de chegada, mas, eu aqui, enquanto futuro, posso dizer que é risível o quão incontrolável é o dia depois. A gente se abraçou. Eu com mais força que ele, como quem dá adeus - afinal, do futuro a gente não costuma se despedir. Coloquei as mãos dele entre as minhas e disse: viva o agora. Não deve faltar muito para o novo capítulo chegar. E o vi partir. Ele ainda se voltou para trás: a gente se vê na volta. Sim, pensei: ambos como futuro. Tchau, Arthur. Tchau, volta ao mundo. Tchau, passado.
Oi, presente.
*A jornalista viajou à Jordânia a convite da Agência Diário de Bordo.
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