15 de Junho de 2020
Quem é da estrada sabe bem que viajar significa muito mais do que sair de casa de mala em punho para passar uns dias em algum outro lugar. É quase que uma necessidade básica de amadurecimento cultural, crescimento e fuga do ambiente comum para pensar diferente, criar e se transformar. Sustento em minhas palestras que viajar é preciso. Não é preciso dar uma volta ao mundo para sentir o efeito de uma viagem. O que importa não é a quilometragem, não mesmo. Mas se permitir encontrar o diferente. Estourar a bolha. Aliás, este é outro ponto que tenho martelado. Sair da bolha. Não consumir só notícias de um instagram viciado por algoritmos é um bom caminho. Viajar também significa ver o mundo. Observar os outros. Prestar atenção ao momento. Foi assim, com um pé forte na estrada e outro em casa que saí para a minha primeira viagem em quatro meses desde o confinamento. As oportunidades que tive em conhecer cinco continentes deste mundo afora e lugares inexplicáveis – inclusive, neste Brasilzão – ligaram-me à missão de compartilhar experiências. É quase um propósito. Ir na frente, sentir se o terreno é seguro e voltar para contar a história.
Meu destino foi a Morada dos Canyons, um pedaço de desejo localizado na Praia Grande, na Serra do Faxinal, em Santa Catarina, divisa com o Rio Grande do Sul. Recém incluída no Roteiros de Charme (única que me faltava para conhecer no Estado), a pousada conta com 10 chalés, serviço intimista e localização privilegiada com vista para os cânions. Destes, apenas oito estavam ocupados por conta das novas regras (motivo pelo qual escolhemos o lugar, inclusive) e, logo na chegada, já foi possível entender como seria a nova experiência com hotelaria (boutique, pelo menos). Nada mais de camareiras ou limpezas diárias no quarto – é sabido que, em tempos pré-pandemia, alguns hotéis de luxo contavam com até duas revisões no quarto diariamente -, apenas para emergências, e refeições todas feitas nos chalés. Como escolher? Cardápios online ou whatsapp, nada manual. As áreas de convivência também foram fechadas, com exceção das piscinas, que poderiam ser reservadas por 50 minutos particularmente por pessoas da mesma família. Entre cada reserva, tudo era higienizado para uma nova entrada.
O que fez a diferença? O serviço. A equipe da pousada foi incansável em nos atender sempre que necessário para reposição de toalhas, amenities, lenha, gelo e o que mais fosse necessário. O atendimento passou a ser 24 horas para suprir as demandas dos quartos. A gentileza, o cuidado com a segurança dos hóspedes e o carinho (quando menos esperávamos, vinha uma sobremesa extra ou um mimo) também foram fundamentais para tornar a experiência mais confortável. Anote aí: as pessoas. Mesmo sem poder abraçar ou tocar, as pessoas são a essência de qualquer relacionamento que dá certo. Nossa intenção não era deixar o hotel, percorremos as trilhas internas para nos conectarmos com a natureza e tomamos chimarrão na nossa sacada observando os cânions. Mas, um piquenique particular, no Morro dos Cabritos, estava incluído na programação, e foi assim que, cedemos à tentação de colocar o nariz para fora e pudemos observar o movimento do turismo ao redor.
Nos entristecemos. Se por um lado, guias se esforçavam com luvas e máscaras, por outro, muitos turistas ignoravam a regra, tiravam as máscaras a todo momento – quando a usavam -, trocavam smartphones entre grupos naquele pedido de “tira uma foto pra gente, por favor”, não respeitavam o distanciamento e tampouco o momento e o outro. O outro. Difícil, né? Retornamos para o hotel reflexivos sobre limites, empatia e colaboração. O que me levou a pensar sobre o comportamento padrão do turista que ultrapassa o cordão de isolamento para tirar a melhor foto junto ao monumento, que fura a fila para levar vantagem no lugar do show, que coloca a toalha em cima da cadeira de praia para guardar lugar, mesmo que só vá utilizá-la horas depois. Esta pandemia é antiga. É sobre a dificuldade de convivência em grupo e respeitar o espaço do outro – e que em grandes centros de turismo são gritantes.
Da minha primeira experiência no “novo viajar”, já consigo identificar quê: hotéis, mais do que nunca, terão que ir além da cama, mesa e banho, e ser parte essencial da viagem, e ainda não foi desta vez que os turistas conseguiram trabalhar o egoísmo. Pertinente relembrar uma frase do meu xará com sobrenome Pessoa: “Para viajar basta existir”. Se ainda não conseguir existir, fique um pouco mais em casa.
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