08 de Maio de 2017
Itália não estava nos planos. Como já viajei um pouco pelo mundo, decidi que neste ano de estrada não repetiria os países que já visitei. Apenas um critério de seleção para facilitar o roteiro. Milão, principalmente, não estava nos planos. Tem um trauma aí. Trata-se do único lugar dentre os cinco continentes em que fui roubada. Não, nem no Brasil. Nem no Rio, nem em Porto Alegre, acredite. Em Milão. No metrô. Levaram minha carteira com todos os cartões de crédito e o dinheiro que tinha para o resto da viagem. Vivi o resto dos dias de férias com o empréstimo de uma amiga – que também havia sido furtada, mas, mais esperta, guardou parte dos valores na mala. Totalmente ruim não foi. Descobrimos como sobreviver com bem pouco na Europa. Viramo-nos bem com fatias de pizza a dois euros e vinho a cinco.
Ok, a "história triste" é apenas um apêndice para contar que acabei em Milão. O contexto é simples. Com 10 dias de viagem, ainda em Nova York, recebi um e-mail da Camila cujo título era "hospedagem em Milão". Em uma breve biografia online, a também gaúcha me lembrou que já havíamos nos pechado por conta da Zero Hora – ela estrelou uma das minhas colunas – e contou que há dois meses tinha se mudado de mala e cuia (literalmente) para a cidade italiana com o marido. Recém-casados, os dois resolveram tentar um estilo de vida diferente que, além da mudança física, ia de encontro ao sonho de aprimorar os dotes culinários. Ainda que sem intimidade comigo, ela colocou seu canto à disposição para me receber. Logo me identifiquei com seu discurso, de alguém com o peito estufado de coragem e sonho, que resolveu abrir caminho na mata. Respondi quase que imediatamente: sim, eu vou.
Agora, volta para o início deste ano, quando estava arrumando a papelada e a mochila para encarar o mapa. Talvez vocês não saibam, e nem sei se deveriam, mas venho me decepcionando com relacionamentos há um tempo. Até pouco antes de pegar o avião sem rumos bem definidos, tive mágoas importantes. E apesar de saber que uma das falhas chatas em textos literários é a repetição de palavras, não tenho outro termo para utilizar aqui do que "decepção". É só o que resume. De você esperar muito de quem pode entregar pouco. De comprar tudo o que lhe vendem. De achar que é real e o que é falsa moral. E, no fim, as pessoas não têm culpa, não é? Cada um doa o que pode para quem pode – ou quer. Esta ferida é minha. Muito minha. Aliás, o sofrimento era este. Em que ponto eu permiti tamanho engano e por quê? De onde surgiram tantas tentativas frouxas, que mais parecem desespero de causa?
Como consequência, uma das primeiras mudanças perceptivas em função da viagem foi a questão do amor. De um dia para outro, em Paris – ironicamente, na cidade dos apaixonados -, acordei sabendo, como um insight ou um nirvana, não tenho explicação certa para a maneira em que o feeling se instaurou aqui dentro. Até entrei em contato com uma das minhas amigas mais românticas, uma canceriana legítima, para declarar. Não acredito mais no amor. Simples assim. Não, não estou triste. Não, não tive outro desapontamento. Não, não é manha de criança mimada ou mulher recalcada. Só sei. Algo mudou aqui dentro. A partir deste voo alto em que consegui enxergar fatos, pessoas e almas por outro ângulo, concluí que não é para mim. Se estou bem com isto? Como nunca. Tranquila. Leve. Talvez, resolvida.
Desde lá, meus dias pareciam ter se livrado de um peso, de uma espécie de obrigação de que só com um companheiro eu seria feliz para sempre. Acredito que quebrei um paradigma. Aquele de que, vamos lá, você vai fazer 30 anos e não tem ninguém? Epa, calma lá. Há chances concretas de eu ter até mais gente que você, que esbanja felicidade virtual e mora de verdade em um relacionamento triste, infiel e inseguro. Que não tem coragem de terminar aquela história chata, que nem faz mais sentido, mas tem tanto medo da solidão e dos dedos apontados que prefere se esconder atrás de mãos dadas sem força, bitocas automáticas e noites com diálogos enjoados de quem prefere assistir a qualquer outra tela do que a própria. Então, de verdade, me deixa aqui neste lugar? Está confortável, mas só agora me permiti descobri.
Só que aí eu conheci a Camila e o Pedro. Em Milão, lembra? Desembarquei na vida de um casal mais jovem do que eu, mas que soma 12 anos de relacionamento. Provavelmente, eles não tenham cruzado com outras tantas paixões pela vida. Mas se encontraram. Um encontro de almas. De "eus", como diria Messiê Loyal. Quando Deus marca presença entre duas pessoas é difícil que forças exteriores sejam capazes de perturbar. Ele tem 1m90cm, ela tem pouco mais de 1m50cm. Ele tem olho claro e um ar bonachão que só. Ela é morena e, como boa baixinha, um tanto enfezada. Ele gosta de salgado. Ela ama doces. Juntos decidiram que gostariam de enfrentar o mundo. Assim o foi. E neste momento, enquanto ela cuida o bolo de cenoura no forno, ele rala o queijo para a lasanha. Em silêncio. Mas com a maior sinergia que já presenciei entre um casal da nossa geração que está há tantos anos compartilhando o mesmo espaço.
Com quatro dias de ingresso grátis, assisti ao amor da primeira fileira. Vi ele ali. Juro. Quase ao vivo e em cores. Em olhares conectados, cafés preparados, listas de supermercado e histórias relatadas em jogral. Percebi ele ali, pois o dinheiro estava contado, chovia lá fora, a família estava bem longe e o emprego não apareceu tão fácil quanto esperavam. Mas havia cuidado. Carinho oficial e troca de impulsos. Havia tudo o que um podia dar e outro poderia e queria receber. Não captei dúvidas. Encontrei corações calmos que, para mim, é a efetiva serventia do amor. A Camila e o Pedro ainda não têm completa certeza do futuro e nem de como será o retorno ao Brasil, mas já sabem que querem compartilhar uma bancada. Com um lado para salgado. Outro para doce.
Essa vida é mesmo muito louca... eu achando que não veria nada de novo em Milão. Talvez, o amor não seja para mim – e, pare de ser tão clichê, não se lamente por isto, ok? Mas, voltei a acreditar que ele existe.
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