05 de Junho de 2017
Não gostei de Roma. Como assim? Todo mundo ama Roma! Pois é. Estava quente demais, peguei uns 46°C – sem brincadeira – e nem achei a comida assim tão boa. Lembro de observar o Coliseu em meio às ondas de calor e pensar que turista paga para sofrer e ainda acha que está arrasando. Só que todo mundo ama Roma. Raciocinei: preciso voltar. Não foi uma boa época, a ocasião estava errada. Ok. E agora, o que dizer de Barcelona? Também não gostei. Tá bom, tá bom, antes que você venha me falar do céu azul, da orla, das cores, da diversidade, quero dizer que eu observei tudo isso, achei bacana e tal, mas não é tudo aquilo que vocês me contaram. Foi a tal da expectativa, aquela. A mãe da frustração.
E aí liguei à experiência na capital italiana. Tchê, de novo isso? Eu não gostando de um dos lugares mais "cools" do mundo? Não pode ser. Tô na TPM. Dormi mal. Com a bunda destapada, como diria minha avó. Só que não. Tive boas oito horas de sono, comi bem e a cartela do anticoncepcional está no início. Furunguei bem e encontrei a característica que me afugenta. Lugar cheio. Detesto. Precisar andar rapidamente para não ser atropelada por alguém em um ritmo mais acelerado que o meu, metrô com gente espremida e pontos turísticos que mais parecem uma rave: a gritaria, a fila para entrar e o preço da água. Para mim estão longe de um turismo sadio. Há um adendo importante: tenho pouco mais de um metro e meio. Ou seja, saio em desvantagem na lotação. Por exemplo, enxergar a Monalisa no Louvre atrás daquele monte de cabeças? Não, nem tentei. Isso que na época nem tinha pau de selfie (que geringonça infernal).
Estou fugindo da muvuca. E faz tempo. Não procuro ônibus de turismo, resorts all inclusive e outlets a preço de banana. Para o meu estilo de viajar – cada um tem o seu, e respeito, deixando claro –, não serve. Me deprime. Parece um consumo exacerbado sem apreciação verídica. A Sagrada Família foi um dos lugares mais lindos que já estive. Que construção! Que obra de arte! Fica claro que cada detalhe foi pensado com esmero por Gaudí. Na visita autoguiada, descobre-se que quando o arquiteto catalão recebeu a missão de planejar um templo religioso, se dedicou com alma para que a igreja fosse um espaço de reza. E com toda a modéstia que lhe competia, deixou que o sol pintasse o lugar através dos vitrais e não autorizou que a maior torre passasse o MontJuic, ponto mais alto da cidade. Disse o artista: "a obra do homem não deve ultrapassar a de Deus".
Depois de completar o tour pelo espaço, sentei em um canto, ainda absorvendo a experiência, e observei a função. Sabia que a Sagrada Família chega a receber até 10 mil pessoas por dia? Os ingressos se esgotam, é bom se antecipar, e a praça ao redor permanece borbulhando com os que não garantiram a entrada, mas não querem perder a oportunidade de dar uma espiada. Lá dentro, um vai e vem massivo – muitos sem guia ou estudo de caso, ou seja, sem entender patavinas do que estão mirando. Dá até para esquecer que estamos em um lugar sagrado. Não irrompe a vontade de orar lá dentro. Parece desalinhado à bagunça, forçado. Então, refleti: provavelmente não era isso que Gaudí tinha em mente quando arquitetou seu templo. Senti por ele. De certo modo, até lamentei. Neste ponto, concordo com a rigidez das visitas à Última Ceia, de Leonardo DaVinci, em Milão. São recebidos grupos de 25 a 30 pessoas por vez que podem ficar apenas 15 minutos apreciando a obra. Depois, abrem as portas e todos são convidados a se retirar – nem um segundo a mais. É restrito e precisa de organização prévia, mas parece ter mais sentido. Ou não?
Aliás, desde criança eu tinha pavor que me apertassem, me abraçassem com força e não me dessem espaço. Estou sem ar. "Sai!", enquanto limpava o beijo babado com o dorso da mão e enrugava a testa ao franzir as sobrancelhas. Se insistisse, ainda levava um arranhão. "Toma cuidado que ela é arisca", diziam, enquanto minha mãe morria de vergonha e ficava atenta para manter minhas unhas curtas. Lembro bem da minha primeira crise de pânico, já adulta. Foi na inauguração de um restaurante na Zona Sul de Porto Alegre. Como de praxe, cheguei atrasada. Caí no meio de um evento fervendo de gente "desconhecida" se batendo atrás de uma peça de sushi e uma taça de espumante. No fundo, aquele esquema da Sagrada Família: cheio de pouco. Era aniversário de uma amiga, por isso acabei indo, mesmo exaurida do dia.
Quando tentei chegar à mesa dela, no fundo, fui abordada pelo proprietário do espaço, que travou o meu percurso sendo muito, muito gentil e quis que a assessora me desse uma atenção especial. Naquele momento, meu sorriso ficou amarelo e o coração disparou. A respiração ficou extremamente acelerada e faltou oxigênio no cérebro, achei que fosse desmaiar. Mas disfarcei. Sorri mais um pouco e parei para as fotografias e abraços. Foi triste. Não consigo buscar outra palavra para definir.
Triste porque eu percebi que estava desenvolvendo uma espécie de fobia social. Um tipo de intolerância a meias verdades. No caso, às minhas – afinal, a equipe estava apenas fazendo, e bem, o seu trabalho. Mas eu não queria estar ali. Meu desejo era estar em casa, de pijama, com uma taça de vinho e com a Chanel (a cachorrinha) aos meus pés. Eu não queria disfarçar o cansaço e manter a pose. Mas fui contra os indícios. Me enchi de pouco eu e fui desarmada. O que precisava mesmo era de um vazio para a reflexão e até uma certa melancolia de aceitar que tem vezes que é melhor se respeitar e não colocar a fuça para fora de casa. A partir dali, um pouco obrigada, eu passei a me observar com mais destreza. É assim que tem que ser.
Precisamos nos autoanalisar, entender nossos limites e perceber que tem coisas que vão fazer a cabeça de todo mundo, mas não necessariamente a nossa. Não gostei de Roma. Não curti Barcelona. Tava muito cheio. Prefiro espaço. Quero lugares que eu possa correr de braços abertos sem bater em ninguém. É o meu jeito. Está tudo certo com isso. Tem a ver com o meu passado, com o meu presente e não sei se com o futuro, por isso, pode ser que eu precise voltar em uma nova oportunidade. Em outro momento em que eu me autorize e esteja pronta para ser mais preenchida dos outros.
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