22 de Março de 2020
Raras são as pessoas capazes de nos construir com sua passagem. Há quem ensine dando um toque aqui outro lá, outros que dão o norte e apontam o rumo e os que acarinham ou traumatizam, às vezes até de maneira velada, e nos fortalecem. Mas que nos moldam? Raras. São artesãos de humanos. As ferramentas para esculpir são ideias bem definidas, personalidade radiante e genialidade sutil, sem abuso.
Quando cheguei à ilha do Segundo Caderno para trabalhar como assistente de coluna social e percebi que estava a alguns computadores de distância da Mari Kalil deu um gelado bom na barriga. Era difícil se aproximar – não fisicamente, mas pessoalmente – da Mari. Ela era seletiva. Gargalhava fácil, assim, jogando a cabeça para trás, mas só para quem merecia. Trabalhava embaixo de uma viseira, mesmo em ambiente fechado, e tinha um tom blasé para falar as mais duras verdades até para o Papa, se preciso fosse (quando me tornei próxima, eu ria por dentro assistindo às cenas). Era uma timidez disfarçada de rabugice. Um personagem cômico que ganhou força por insistência do time Donna do qual fiz parte e que levou o melhor da Mari para milhares de pessoas por muitos domingos nas páginas da revista.
Minha força de repórter vem da Mari. De projeto de escritora também. Foi ela quem abriu a pauta para que uma assistente de coluna social ganhasse uma capa da revista Donna. Eu rodeava a mesa dela, estava sempre com os olhos bem abertos e, quando percebia uma brecha e o brigadeiro na mesa, sinal de que o momento era doce, entrava: "Mari, se tiver alguma pautinha aí, posso fazer?". E ela SEMPRE dava um jeito de sobrar. Até que o convite veio. E poucas vezes eu tive a sensação tão forte de desejo realizado quanto no dia em que, no final do expediente, troquei meu e-mail de zerohora.com para donna.com. E aí que as ferramentas foram empunhadas. A Mari usava camisetas divertidas às segundas-feiras para amenizar a chatice do calendário, e me ensinou a importância da moda no nosso contexto diário. A Mari lia Ivan Martins e me apresentou outra forma de falar de amor. A Mari praticava yoga e meditação – e me entregou uma das pautas mais importantes da minha história como repórter – que foi capa da edição dominical e me encaminhou para a meditação que fiz hoje pensando nela. A Mari contava as melhores e mais inacreditáveis histórias e me inspirou na narrativa que trago hoje. A Mari me provou que era possível fazer conteúdo de qualidade com humor – essa era sua verdadeira missão, afinal. E era brilhantes. Nos negócios, nos insights, nas ideias.
Foi com ela que aprendi que jornalismo também poderia ser marketing e me joguei em um MBA. E na coluna social. "Mari, devo ir? Justo agora que realizei meu sonho de estar no Donna". Ela virou a cadeira, com a maestria de quem deitou no divã por anos a fio: "O que tu acha?". A Mari é minha inspiração. E, neste momento, minha alma agradece nunca ter escondido isto dela ou de ninguém. Que bom que tivemos aquela última conversa comendo massa com bastante molho e tomando vinho. Gelado. Mari, obrigada.
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